Em dias de grande importância para a juventude, eu gostaria de compartilhar o livro "
Juventude, Educação e Participação Política", de Alexandre Aragão de Albuquerque, educador, amigo e mestre em Políticas Públicas e Sociedade. Este trabalho foi fruto de uma pesquisa suscitada de encontros com jovens em Fortaleza/CE, na qual foi possível compreender melhor como se dá a participação política da juventude nos espaços que são oferecidos.
Assumir um papel político, isto é, que vise um bem comum, não é tarefa fácil nos dias de hoje, sobretudo se consideramos o descrédito da população com os políticos que estão nos poderes. Ainda assim, a política deve ser melhor compreendida para instigar maior participação das pessoas, principalmente dos jovens e de quem historicamente tem sido deixado à margem das discussões. Política não deveria ser para alguns, mas para todos, afinal a polis não se restringe a uma minoria. Todos podem e devem assumir a sua responsabilidade política de garantir um mundo, um país, um estado, uma cidade ou um bairro melhor de se viver, e isto está para além do voto.
Para continuar esta discussão, compartilho o prefácio escrito por Maria Teresa Nobre, Professora da Universidade Federal de Sergipe. Neste texto, a partir do trabalho desenvolvido por Alexandre, a professora traça uma breve reflexão sobre o protagonismo e a importância da participação política nos cenários abertos do cotidiano.
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Protagonismo e participação: desafios da ação política
Espaços institucionais são lugares que podem ser ocupados de muitas maneiras. Lamentavelmente, pela corrosão que vem se procedendo nos regimes democráticos pelo mundo afora, essa ocupação tem se dado de modo formal, para cumprir agendas políticas, pautas de plataformas de estados e governos, que não raramente privilegiam interesses outros e não a vida concreta das pessoas, suas relações sociais, seus estilos de vida. Não é novidade, nem recente, a divulgação de resultados de pesquisas feitas por vários órgãos que atestam a descrença das pessoas nas instituições, sejam elas tomadas no seu aspecto imaterial (como a religião, a política, a família), sejam no seu aspecto concreto (os partidos, as igrejas, as políticas públicas, os movimentos sociais, etc.). Muito comum também é o discurso sobre a apatia da juventude, a sua “alienação”, o seu individualismo, marcadamente ancorados no consumismo e no hedonismo, que se tornaram baluartes dos modos de viver na contemporaneidade.
O trabalho que Alexandre Aragão nos apresenta vem na contramão dessas “lógicas”. Trata-se de um fragmento de longas experimentações, que constituem a trajetória de militância política e vida acadêmica do autor, desde a sua participação na política estudantil dos anos 1980, na Universidade Federal de Pernambuco até a coordenação da Escola Civitas de Fortaleza, entre 2007 e 2009. Desse longo percurso, que agrega silenciosamente tantas outras experiências - não relatadas no texto, mas implícitas em muitas passagens do trabalho -, foi gestado o objeto da sua dissertação de mestrado apresentado ao Programa Políticas Públicas e Sociedade, da Universidade Estadual do Ceará, em 2011: a participação de jovens estudantes do ensino médio de uma escola pública, no Orçamento Participativo de Fortaleza. Problematizar como se deu a participação dos jovens que ocuparam o espaço público na condição de protagonistas e não de meros expectadores, foi o desafio posto a si mesmo pelo autor e o coração da pesquisa por ele empreendida.
Falo em protagonismo remetendo à origem etimológica da palavra: agonia em luta. Neste sentido, toda experiência de participação política tem a sua agonística: ela emerge do conflito, da disputa travada no jogo de forças que os homens tramam entre si, do combate nas ações cotidianas. Tal espírito de luta, como nos ensinam as narrativas épicas dos gregos, entretanto, não exalta o aniquilamento dos vencidos, mas a afirmação da nossa condição de homens livres, capazes de desenvolver o espírito de tolerância, respeito ao oponente e senso de justiça.
Na esteira da construção desses valores temos a invenção da Política, como dispositivo de exercício de poder que se contrapõe à guerra. Uma discussão inovadora sobre o poder, esse tema tão caro à filosofia política, é brilhantemente feita por Alexandre Aragão, sendo essa uma marca forte do trabalho: os modos pelos quais o exercício do poder político é apropriado por jovens que em geral, encontram-se à margem da esfera pública.
Privilegiando a voz dos próprios atores, sejam eles gestores, professores e, sobretudo, alunos, ouvidos em situação de observação participante o autor narra o percurso da participação de jovens estudantes no Orçamento Participativo de Fortaleza e seu impacto sobre a construção da cidadania, que se inicia numa sala de aula e se amplia com a experiência da Escola Civitas.
O trabalho de campo da pesquisa salta aos olhos, num enredo que convoca o leitor à reflexão e que instiga a discussão acerca da relação do pesquisador com seu objeto. Longe de defender uma neutralidade asséptica o autor explicita na metodologia adotada e na análise dos dados sua própria posição política, marcada pelos valores nos quais acredita e que defende: a abertura à diferença como condição necessária ao diálogo que produz e sustenta a ação política, a igualdade e a liberdade como pilares da construção da democracia e a comunhão fraterna, ancorada na generosidade de uma doação que não é apenas de bens materiais e simbólicos, mas de si mesmo, como força motriz da construção de uma nova sociedade, que começa, entretanto, por ações miúdas, que ganham visibilidade e força quando compartilhadas.
Por um lado, a narrativa aponta inquietações, contradições, impasses e desafios vividos pelos protagonistas, e por outro, apresenta reflexões sobre as alternativas encontradas, muitas vezes num exercício de teimosia e esperança de adolescentes e jovens que insistiram em desafiar a ordem posta das coisas: o que queremos para o nosso bairro, para a nossa cidade? Como queremos? Do que precisamos, quais as nossas necessidades, nossos desejos? Como fazer os moradores participarem? Como fazer nossa voz ser ouvida em espaços institucionais pouco afeitos à participação popular?
Destaco aqui essa agonística, ressaltando a enorme distância que existe entre a idéia de um projeto e sua realização após ter se institucionalizado e disso não escapam as experiências rotineiras do Orçamento Participativo. Ao produzem fraturas nessa lógica da participação formal ou burocrática, ao cavarem “brechas” para uma participação concreta e democrática, os atores da experiência relatada por Alexandre Aragão denunciam a tendência que as organizações sociais possuem ao fechamento e reprodução de práticas instituídas, mas ao mesmo tempo, anunciam a possibilidade de mudança, que se dá a partir do compromisso político-afetivo das pessoas, enfatizando o caráter coletivo dessas ações. É esse sentido do coletivo – a construção de um “nós” em contraposição a “eu e os outros” - que forja nos jovens uma nova dimensão da política, antes vista tão somente no seu aspecto negativo, como campo de corrupção e desavenças.
“Sejamos realistas, tentemos o impossível”, dizia uma das frases gravadas nos muros de Paris, em maio de 1968. Numa época de perda de ilusões, de descrença em mudanças, de acomodação e indisposição para a luta, de insegurança e medo generalizado que produz isolamento e apatia, os atores da experiência apresentada neste livro mostram que pequenas ações cotidianas de participação política podem resultar na conquista de bens sociais a serem partilhados, em alegria, reconhecimento e esperança. É, pois, com enorme satisfação que prefacio este livro, convidando o leitor a mergulhar nas experiências nele narradas e encontrar a vida que nelas pulsa, através de seus personagens e das ações por eles protagonizadas.
Maria Teresa Nobre