Textos e reflexões de Rodrigo Meireles

17.4.12

Na Casa dos Excelentíssimos

Sentados à minha frente, para além do vidro transparente, estavam algumas pessoas trajando roupas elegantes, algumas fazendo gestos finos e pausados, outras fazendo gestos mais vorazes. Uma delas estava de pé, com papéis na mão, e falava alto para todas as demais ouvirem. Eu não entendia por que ela precisava falar tão alto, já que à sua frente havia um microfone. Era o som captado por este aparelho que possibilitava a minha escuta, pois eu estava fora da prestigiosa sala e ouvia apenas através de uma caixa de som afixada na parede do pequeno compartimento que me abrigava. Em meio às palavras emitidas, após  digníssimos elogios e tantas condolências, queixas e denúncias eram marcantes; escutei verbos fortes que pareciam impor cada vez mais o silêncio alheio que aos poucos se estabelecia no lugar. Os outros apenas se entreolhavam, sérios e aturdidos; alguns cochichavam, mas os demais nada falavam e nada faziam.

Estava eu sentado em um lugar onde, em alguns minutos, pude notar a interessante dinâmica entre as pessoas dali. É um lugar onde os centros das atenções estão constantemente sendo modificados, conforme o desenrolar das situações vividas e dos discursos ouvidos. Ouvem-se clamores de idéias, defesas de teses que não podem ser contestadas ou desviadas de seus interesses originais, além de ironias com traje de respeito e atitude democrática. Mesmo os sorrisos são brilhantes e cheios de uma força capaz de esconder quem está por trás. Cada sujeito, ao seu modo, procura conquistar mais olhares para si, fazendo o mínimo de barulho necessário, e compra os sorrisos camuflados com atitudes verbais contundentes. Alguns são mais tímidos e outros até assustam, mas se entendem em prol de uma eterna convivência na casa dos excelentíssimos.

As personalidades ali presentes estão carregadas dos mais diversos pronomes de tratamento. Não são mais fulano e fulana de tal, mas excelentíssimo senhor fulano de tal ou excelentíssima senhora fulana de tal. Os senhores desta casa não são meros senhores, mas vossa senhoria é o novo título deles. As palavras rebuscadas carregam em suas letras formações pouco utilizadas para além daqueles muros e o dicionário parece ser um dos livros oficiais adotados. Falar desse modo dentro dessa famosa casa já virou clichê, servindo mesmo de código interno, para o azar dos não-simpatizantes desta linguagem tão prolixa. Talvez ali seja possível entender porque uma das coisas mais fáceis que há na vida seja complicar o que é simples, ou simplesmente de reverter o que nos é dado.

Um sujeito aperta a mão do outro em sinal de respeito, acordo e concordância, muito embora tal respeito, acordo e concordância em tantas vezes não lhe diga respeito. Isso me levou a entender instantaneamente que o respeito ao outro parecia ser o que mais existia dentro desta casa, mas entre os cochichos praticados aqui e acolá pelos mesmos excelentíssimos respeitosos que se apertaram as mãos pareciam esconder alguma coisa que aquele respeito formal não me deixou perceber. Qualquer desentendimento que surgisse era como fogo em palhoça; apagá-lo ali dentro não era difícil, pois eram desfeitos no intercâmbio de sorrisos entreabertos por entre as mesas e cadeiras da sala principal daquela casa.

Enquanto tudo isso acontecia, eu continuava sentado na minha cadeira, assistindo a este grande espetáculo que acontecia bem na minha frente, mesmo se parecia tão distante. Eu me sentia uma formiga em meio aos elefantes. Logo eu, com meu traje simples em meio às elegantes vestimentas. Logo eu, que antes de chegar ali parecia ter tanto a dizer. Definitivamente, levantei-me de onde eu estava sentado, e, despedindo-me silenciosamente, pensei comigo mesmo: “esta casa não é minha...”



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