Ao assistir Hable con Ella, de Pedro Almodóvar, ocorre-me uma visão metafórica sobre o Amor incondicional. Um Amor que vai além de conceitos hoje tão banais. No filme, é por causa do amor que sentem por suas mulheres que dois homens se encontram no hospital e ali constróem uma amizade verdadeira capaz de suportar até os limites da dor causada pela solidão e mesmo pelo sentimento de perda. Que Amor tão banal seria esse que rejeitaria uma situação menos constrangedora, abandonando assim dois "corpos que falam”?
Almodóvar traz à tona nesse filme um conceito de Amor mais global e humano, em que a palavra também pode ser uma ferramenta de integração e aproximação. Não posso expressar-me sem sentir o meu corpo que expressa, do mesmo modo que, se a pessoa é um ser-em-relação e não existe expressão sem sentimento de corpo, o meu relacionar-se a um outro passa também por um sentir aquele outro em meu corpo. Essas expressões corporais estão muito bem relacionadas no filme com o cinema mudo, em cujas cenas mostradas se faz uma analogia com a importância do expressar do corpo. Em suma, o corpo sente, seja eu mesmo inserido nesse corpo, seja o outro com o qual me relaciono.
Numa clínica em que Benigno (Javier Cámara) trabalha e acompanha pacientes em coma, se percebe uma relação nascente de uma grande amizade entre ele e Marco (Mario Grandinetti), que em seus momentos assistiam o coma das mulheres que amavam, Alicia (Leonor Watling) e a ex-toureira Lydia (Rosario Flores), respectivamente.
Em meio à trama de um encontro e um reencontro entre os personagens, existe uma outra metáfora que pode ser contemplada: o Amor como um anseio de completude individual. Refiro-me, com isso, a um Amor que realiza, que completa, pois essa interação do corpo-expressão-do-ser deverá existir sempre, dado que não existe com o que não interagir. Desde que um corpo é fecundado, esse corpo não está alheio ao que acontece ao seu redor. Ao contrário, realiza-se no seu contínuo relacionar-se. Isso ocorre porque o corpo não é um limite ao outro, apenas é um intervalo que me permite aproximar-me desse outro.
Nesse ínterim, é impossível não perceber que a morte de Benigno não é propriamente uma morte, dado que há um completar-se com a concepção da mulher amada, outrora em coma. Essa metáfora se percebe devido ao paradoxo que existe em relação ao outro personagem que assiste passivamente a morte lenta e gradual da ex-toureira, que também se encontrava em coma. A compreensão do corpo como lugar das expressões do Ser é evidenciada justamente quando o ciclo se completa com a “pseudo-morte” de Benigno. Daí porque pensar na metáfora do Amor quando se admira este esplêndido filme de Almodóvar. Hable con Ella é um filme como poucos conseguem ser.
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