Textos e reflexões de Rodrigo Meireles

4.7.11

Sobre a juventude de hoje

Após ler o texto Nossa Nova Geração (clique no link para ler), de Stephen Kanitz, publicado na edição 1717 da Revista Veja em 12 de Setembro de 2001, devo tecer alguns comentários.

Kanitz, ironizando a costumeira frase "não se fazem mais jovens como antigamente", comparou os jovens da atual geração com os jovens brasileiros do passado, que viveram a luta contra a ditadura e que se identificavam politicamente, uns com a esquerda, outros com a direita. Esses jovens, segundo o autor, não obtiveram êxito nos seus ideais e muitos hoje exercem funções fora do padrão que pregavam. Ao contrário desses jovens, os estudantes de Harvard da mesma geração (anos 70), igualmente jovens, não faziam outra coisa senão estudar, não tinham tempo para a política, apenas para alguns trabalhos voluntários. Hoje, ao contrário dos jovens brasileiros, esses estudiosos ganham milhões de dólares, estão bem de vida e ajudam o terceiro setor com suas doações. Supostamente, fazem mais do que aqueles que tanto falaram em fazer e nada fizeram. Ao final do texto, um elogio: os jovens de hoje tendem a ser menos interessados em política e mais voltados a ações concretas, como os intelectuais de Harvard, portanto são melhores dos que o jovens do passado.

Diante disso, são várias as perguntas que carecem de respostas para mais esclarecimentos acerca de uma tal comparação. Vamos a elas: será que os contextos dos dois países citados, um em plena ditadura e outro em meio à Guerra Fria, são passíveis de comparação direta? O que confere aos jovens estudiosos de Harvard mais méritos que os jovens brasileiros empenhados na luta antiditatorial? Seria o sucesso obtido no mundo do trabalho? Seria a coerência dos próprios discursos com as ações praticadas? Por que os jovens brasileiros não obtiveram uma realização semelhante? É possível dizer que todos aqueles jovens que lutaram contra a ditadura fracassaram em suas vidas? É válido afirmar que todos estes mesmos jovens foram incoerentes com os próprios discursos? Qual o sentido que os jovens intelectuais de Harvard atribuiam ao mundo e à própria existência? Seria o mesmo sentido experimentado pelos jovens brasileiros? Finalmente, qual a experiência existencial experimentada pelos jovens de hoje? Seriam mais interessados em viver? Encontram-se engajados nas próprias comunidades? Valorizam as próprias famílias? Têm sonhos, desejos ou prospectivas futuras positivas? É possível afirmar que a geração dos jovens de hoje "está com tudo" e já superou o vazio profetizado por Nietzsche, Kierkegaard e Kafka, dentre outros pensadores?

Em contraste com o que afirmou Kanitz, não creio ser essa a geração de jovens que predomina hoje. Para a nossa tristeza, o que vejo é uma geração marcada pelo tecnicismo, vazia em sentido, que quer respostas e não sabe onde buscar. Em geral, são jovens acomodados e que se contentam com pouca coisa, muitos se perdendo no contato com a droga, o cigarro, o álcool e, agora, a internet. Alguns, somente alguns dentre milhões, exceptuam-se dos demais levantando e carregando a bandeira de seus desejos mais simples e genuínos.

Na contramão, Kanitz afirma que:
"[Os jovens da nova geração] não pretendem mudar o mundo, querem primeiro mudar o bairro, para depois mudar seu Estado e o país. Querem se tornar competentes para, então, até mudar o mundo, paulatinamente, ao longo da vida.
A nova geração está desencadeando uma revolução de cidadania, usando o cérebro e o coração para o voluntariado, engajando-se no terceiro setor, cada um fazendo sua parte. Não ficou somente no discurso, partiu direto para a ação".

Onde estão esses jovens da "nova geração"? Seriam os jovens de Harvard? Infelizmente, ainda não vejo uma revolução de cidadania como o autor destacou, tampouco engajamentos massivos no terceiro setor. É claro que existem muitos jovens que são verdadeiros exemplos nesse sentido, mas estão longe de ser maioria. Não quero ignorar a experiência de muitos jovens que dão a vida pela própria gente, mesmo em ações simples e dignas de nota, porém, enquanto não forem maioria, quantitativa mesmo, não posso caracterizar a geração atual como fez Kanitz.

Eu concordo com o autor no que diz respeito ao método, isto é, que cada um deve fazer a sua parte e, ao invés de pretender mudar o mundo, devem primeiro mudar o bairro, a cidade e conseqüentemente o país. Certamente é mais louvável elogiar resultados do que discursos ocos, portanto, também desejo que os jovens se empenhem concretamente no sentido de fazer o que lhes cabe, a começar do cuidado com a família, já bastante destruída e desmantelada. Todavia, sejamos honestos, há ainda muito por fazer para que os jovens de hoje sejam reconhecidos como parte de uma geração que "está com tudo".

Como diria Rollo May, renomado psicólogo norte-americano, o homem precisa encontrar-se em meio ao vazio marcante da modernidade e elevar um senso crítico capaz de fortalecer a consciência de si mesmo e evitar o predomínio de ideais ocos ou ainda os totalitarismos. Um passo é, portanto, a autoconsciência; outro passo, a consciência de que somos seres políticos e portanto abertos para o mundo e capazes de amar. Quem atinge esse nível de consciência pode exercer os trabalhos que quiser e tenderá a doar-se com autenticidade e espontaneidade encarando cada desafio em primeira pessoa.

No entanto, é interessante notar que Kanitz faz referência aos estudiosos de Harvard como "seres apolíticos" que ajudam o mundo por doar milhões de dólares ao terceiro setor. Bobagem. De que adianta doar milhões e se orgulhar da filantropia se estes mesmos que doam, os ditos seres "apolíticos", não conhecem a realidade que supostamente ajudam? Certamente, não é sem significado a ajuda de milhões de dólares a projetos sociais, mas esse exemplo só reforça a idéia inicial de que a geração das últimas décadas, na qual me incluo, cresceu sem o devido desenvolvimento crítico sobre a própria existência. Estava mais preocupada em ganhar seus milhões e a se sustentar em um mundo caótico e à beira da destruição.

Apesar disso, prefiro olhar com esperança e acreditar que podemos sim mudar o mundo, a começar de nós. Aguçando o senso crítico, adquirindo autoconsciência e interagindo com a realidade na qual vivemos, é possível sair dos vícios que tendem ao aprisionamento do eu e descobrir o valor das relações através de atos de amor concreto. É nesse jeito de ser que acredito e é este o meu ideal político através do qual baseio a minha ação e dou sentido à minha vida.





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