Textos e reflexões de Rodrigo Meireles

31.10.10

Tire as mãos de uma criança

A Casa do Menor São Miguel Arcanjo, entidade sem fins lucrativos que acolhe crianças e adolescentes em situação de risco, iniciou uma campanha internacional para combater os abusos cometidos aos menores de idade. Apoiando esta causa, decidi reproduzir o texto da campanha e o vídeo veiculado na Itália. Convido você a fazer uma doação no site da campanha (em italiano). Colabore!

Em todo o mundo, 100 milhões de crianças vivem nas ruas, vítimas de abusos de qualquer espécie, sem ninguém para falar do seu próprio sofrimento, privados de tudo, (pai e mãe, casa, escola, profissão, trabalho, futuro), abusados por pessoas inescrupulosas na prostituição, inseridos no no narcotráfico ainda crianças, eliminados sem piedade quando erram, caçados como animais selvagens por esquadrões da morte. Padre Renato Chiera, fundador da Casa do Menor, salvou dezenas de milhares de pessoas, dando-lhes uma vida tranqüila. Mas a Casa do Menor não está satisfeita, quer salvar mais e mais para impedir principalmente a exploração generalizada através de uma obra de sensibilização internacional. Começando na Itália - primeira no ranking vergonhoso do turismo sexual, seguida pela Alemanha, Grã-Bretanha e os Estados Unidos. A campanha foi realizada gratuitamente pois todos os trabalhos foram doados, em toda a sua produção: a partir da idealização estratégica da Fundação NewEtica, da criatividade - grupo internacional de publicidade McCann Erickson, do fotógrafo alemão Achim Lippoth e das casas de produção italianas Mercurio Cinematografica e Eccetera, pela dupla de diretores argentinos Mico e Martin, na trilha sonora o grupo anglo-americano Antony and the Johnsons.  E o mesmo vale para os materiais (fotolito, vídeotapes, DVDs) e serviços (impressão, cópia, correio): todos doados por aqueles que acreditam na causa e todos sem uso de dinheiro público. Porque se não deixamos se envolver aqueles que já estão mais abertos à comunicação, como poderemos esperar o envolvimento de pessoas comuns? O sucesso da campanha na Itália e no Brasil depende da sua extensão a outros países. E o sucesso no Brasil, depende muito de você. Por favor, dei-nos a mão para espalhá-lo?




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30.10.10

O século XX em sons e imagens

Sinta-se convidado a viajar no tempo através do original e premiado documentário "Nós que aqui estamos, por vós esperamos". Este filme de Marcelo Masagão conta a história do século XX a partir de personagens comuns, que viveram e morreram dedicando a própria vida para cada mudança vivida pela humanidade neste período. A viagem acontece com a criteriosa seleção de fotografias e pequenos vídeos de eventos que marcaram o século, como as guerras, o movimento feminista, a evolução do trabalho e o desenvolvimento tecnológico, acompanhada de uma trilha sonora original.

Ao final do documentário é possível entender como o autor se inspirou para o sugestivo título da sua obra, que foi premiada em 2000 no Festival de Gramado (melhor montagem) e no Festival do Recife (melhor filme, melhor roteiro e melhor montagem). São 73 minutos que relatam os altos e baixos que marcaram a história recente. Coloquei uma playlist do YouTube dividindo o filme em 8 partes, que podem ser vistas uma a uma aqui. Para passar de uma parte a outra é só usar as setas laterais. Ademais, a mesma playlist pode ser vista no meu canal do YouTube.






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20.10.10

Birds on the Wires: o som da natureza

Por indicação de meu amigo Mário Sebok, conheci um exemplo de como a poesia e a arte nos circundam e de como é possível percebê-la em nossa carne, isto é, estando implicados com o mundo. Jarbas Agnelli, um publicitário de São Paulo, ao ver uma fotografia publicada no jornal O Estado de São Paulo, viu o que poucos, ao ver a mesma imagem, viram: uma música numa original "pauta" composta por pássaros pousados em fios elétricos. Um simples olhar o fez tocar a arte percebendo o que para muitos era invisível.

Compartilho o pequeno vídeo que ilustra bem o que ele percebeu e que gerou uma surpreendente repercussão em todo o mundo.

Acrescento que, em 2009, o criativo compositor fez uma apresentação no TEDx São Paulo, onde relatou esta singela experiência e interpretou o arranjo com uma pequena orquestra. Vale à pena conferir no próprio site do evento clicando no link acima.

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17.10.10

As eleições e o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza

Hoje, 17/10, é o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza. Dia que chama a atenção do mundo para o primeiro dos oito objetivos assinados por 189 países há dez anos na Cúpula da ONU. Já escrevi um artigo sobre os objetivos de desenvolvimento do milênio, mas hoje quero destacar a necessidade e a importância da erradicação da pobreza para dar melhores condições de vida às pessoas que hoje sofrem com esse problema. Juntamente com outros 376 blogueiros de todo mundo, unidos através do Bloggers Unite, podemos entrar nesta discussão e refletir juntos o que é possível fazer.

Aproveitando o clima de eleições no Brasil, que neste exato momento está fervendo em debates pouco profundos, gostaria de confrontar os programas de cada candidato acerca do combate à pobreza.

Para melhor avaliarmos estes programas, é importante que nos coloquemos de frente a pelo menos duas perguntas básicas: a primeira, o que é pobreza? E a segunda, por que e como devemos erradicá-la?

Normalmente, quando falamos de pobreza fazemos referência à carência material ou mesmo à miséria a que estão submetidas milhões de pessoas em todo mundo. Todavia, alguns estudos apontam para uma descrição mais profunda desta questão, através da qual a pobreza representa uma privação de poder. Para Amartya Sen (1999), não podemos compreender o fenômeno da pobreza sem considerar a ética dos ideais de bem-estar humano, que ao longo da história a economia paulatinamente escondeu. Tratar a pobreza como uma mera falta material nos faz cair em um utilitarismo, cuja solução nos remeteria a um dar esmolas sem considerar a demanda de justiça social de quem se encontra imerso neste duro contexto. Citando Virginia Moreira (2000), "a privação de poder e controle pode ser visto como uma inabilidade em exercer 'liberdade'. Isso, por sua vez, causa a pobreza" (p. 210). É nessa linha que Amartya Sen propõe, para combater a pobreza, um desenvolvimento como liberdade. Erradicar a pobreza, tida como privação de poder e limitação das capacidades morais humanas, é necessário para libertar as pessoas da dominação de um sistema que as esmaga, tolhendo a sua voz e limitando a sua participação social. Da mesma forma como se faz necessário abolir os estigmas ligados a esta privação, como o estigma que associa ao pobre a imagem de incapaz. Ainda segundo Virgina Moreira, "as experiências de verdadeira cidadania [dos pobres] são limitadas, por não sentirem poder sobre suas vidas públicas" (ibidem).

Como erradicar a pobreza? Partindo do quanto já descrito, Amartya Sen (2000) aponta a necessidade de mudar a lógica de desenvolvimento econômico associando a esta o desenvolvimento humano. Não é possível pensar em desenvolvimento econômico sem considerar o desenvolvimento humano. Do contrário, continuaremos a assistir ao avanço das desigualdades sociais. Segundo ele, Faz-se necessário criar oportunidades sociais para as pessoas de baixa renda para que elas se sintam incluídas no fazer econômico. Ele afirma que: "a expansão dos serviços de saúde, educação, seguridade social contribui diretamente para a qualidade de vida e seu desenvolvimento. Há evidências até de que mesmo com renda relativamente baixa, um país que garante serviços de saúde e educação pode efetivamente obter resultados notáveis de duração e qualidade de vida de toda a população" (p. 170). Portanto, é preciso melhorar os serviços básicos para proporcionar um desenvolvimento integral da pessoa e favorecer a sua inclusão social, aumentando as suas capacidades de ação e participação na vida pública.

Considerando estes pressupostos, podemos conhecer os programas de cada candidato. Comecemos com o programa da coligação "O Brasil pode mais" do candidato José Serra (PSDB). Segundo consta no seu site, as propostas para o combate à desigualdade social prevêem uma continuidade e uma ampliação dos programas já existentes, como o Bolsa Família, com a novidade da criação de um 13o. para este benefício. Além disso, prevê a criação de uma bolsa de estudos para a qualificação educacional e profissional dos jovens, oferta de cursos rápidos de qualificação e requalificação para o trabalho e o investimento em casas para a população carente com até 3 salários mínimos. Está na pauta também a criação de uma secretaria especial para o semiárido, a reestruturação da SUDENE e a criação do Conselho de Desenvolvimento da Amazônia.

O programa da coligação "Para o Brasil seguir mudando" da candidata Dilma Roussef (PT) diz que é necessário continuar a linha dos programas em vigor, como o Bolsa Família, proporcionando a transição deste programa para o Renda Básica da Cidadania (RBC), projeto aprovado pelos partidos em 2004 e sancionado pelo presidente Lula que assegura "a participação de todos na riqueza da nação". Além disso, citando alguns pontos do programa relativos à diminuição da desigualdade social, a coligação de Dilma propõe a ampliação do emprego formal, a manutenção da política de valorização do salário mínimo, a expansão e facilitação do crédito popular, a expansão do programa Territórios da Cidadania, a intensificação dos assentamentos com o necessário apoio técnico aos assentados, o fortalecimento da agricultura familiar e da agroindústria familiar, e o "estímulo ao cooperativismo e outras formas de economia solidária".

Estas são as propostas que colhi dos candidatos voltadas para o combate à desigualdade social, bastante ligada ao conceito de pobreza de que tratei há pouco. Ambos os programas estão escritos de forma vaga e genérica, muitas vezes propondo a expansão e melhoria do que já existe sem especificar o que pode ser feito com mais precisão.

Posso fazer duas observações importantes no processo de escolha entre um candidato e outro, sobretudo acerca do tema abordado neste texto: em primeiro lugar, o fato de que os programas em muito se complementam, havendo pontos positivos em ambos que precisam ser levados em conta; e em segundo lugar, o fato de que para considerarmos diferenças entre os candidatos faz-se necessário conhecer mais do que as propostas que eles fazem, conhecendo a política que está por trás do fazer de cada um. É preciso reconhecer qual é a política adotada por um e outro e verificar com qual delas estamos mais identificados e comprometidos. Além disso, acrescento que, considerando a campanha em andamento, é importante também reconhecer o nível de coerência no discurso de cada um. Num processo contaminado por notícias falsas que circulam rapidamente pela internet e pela grande mídia não é difícil perceber que existem grandes diferenças. No que tange à pobreza, é válido fazer uma pesquisa na própria internet para levantar e avaliar os dados relativos. Com esses dados, podemos avaliar em qual situação o Brasil se encontra e em que podemos melhorar.

Referências bibliográficas:
Sen, A. Sobre ética e economia. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
_____. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
Moreira, V. Psicopatologia e pobreza. In: Moreira, V. e Sloan, T. Personalidade, ideologia e psicopatologia crítica. São Paulo, Escuta, 2002, p. 207-229.



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16.10.10

A internet e a sua força nas eleições 2010

Como podemos ver, o debate eleitoral tem se tornado cada vez mais acalorado e as notícias voam com uma velocidade incrível. "Nunca antes na história deste país" tivemos tamanha troca de informações em prol das eleições. Os candidatos se prepararam antes do processo eleitoral iniciar e se armaram com blogs, twitters, facebook e orkuts, criando perfis, comunidades e sites para abrir novos canais de comunicação com o eleitor. Além disso, os blogueiros de plantão, entre jornalistas e cidadãos comuns, também intensificaram o debate na rede mundial de computadores.

Segundo estatísticas colhidas pelo site To be Guarany!, no Brasil já temos mais de 67,5 milhões de internautas, dos quais pelo menos 36,4 milhões têm acesso regular, em casa ou no trabalho. Considerando o total, ao menos 87% acessam a internet semanalmente e o ritmo de crescimento tem aumentado intensamente. Segundo a Agência Estado, o Brasil ocupa a quinta posição em mercado de celulares e internet.

Nesse contexto, como muitos blogs e analistas puderam confirmar, o resultado das eleições presidenciais no primeiro turno foram bastante influenciados pela troca de informações virtuais. Além disso, é mais fácil para o eleitor ter contato com notícias de diversos espectros sem ficar restrito àquilo que é veiculado pela grande mídia. Ainda que esta última detenha o controle das próprias notícias, selecionando a matéria que lhe convém, com a internet o eleitor tem maiores chances de democratizar o debate em torno de cada campanha.

Como sabemos, em uma democracia, opiniões diferentes e até contraditórias são parte do jogo. Faz-se necessária uma discussão que possibilite aos cidadãos uma leitura ampla da própria realidade, encontrando divergências e convergências, dialogando e tentando discutir como melhorar a vida comum a eles. A política, numa democracia, cuida do que é de todos, abrindo espaços de diálogo entre os cidadãos e garantindo liberdade e igualdade de expressão. O objeto da política é o bem comum.

Lamentavelmente, o que vemos nas últimas semanas na internet e na grande mídia não corresponde exatamente à descrição acima. Assistimos a uma onda difamatória e caluniosa capaz de criar um racha na consciência e na memória brasileira, incitando o ódio a quem se declare a favor da candidatura de Dilma. É impressionante como na grande mídia (refiro-me aos principais jornais e revistas) é difícil encontrar alguma matéria positiva à respeito da candidata do governo, Dilma Roussef. Querem ludibriar o povo brasileiro e fazê-lo acreditar que José Serra é o santo, o cristão, o abençoado, ou o "homem de bem", enquanto que à Dilma são associadas as imagens de "assassina", "bandida" e "matadora de criancinhas". É a "mulher do mal" contra o "homem de bem". Estou indignado com tanta farsa e tamanha baixaria!

O meu consolo é que a democracia hoje só tem a ganhar com meios como a internet, de modo a não se intimidar com a força paranóica e ultra-conservadora da grande mídia. Posso, mesmo distante do Brasil, estar à par do que acontece, indignar-me e fazer chegar a todos os que conheço a minha indignação. O curioso é que em meio às minhas manifestações, já fui chamado de tendencioso e imparcial, mas, se analisarmos com profundidade a realidade atual da discussão, imparcial é um jornal como a Folha de São Paulo que publica na capa de sua edição de 12/10 uma foto onde Dilma não faz o sinal da cruz em uma celebração. Imparciais são os meios que publicam uma foto de José Serra beijando o crucifixo de um rosário em plena carreata, em Goiás. Em suma, imparcial é quem não se abre ao diálogo e não permite a discussão de temas mais sérios do que fofocas e difamações. Onde existe manipulação e calúnia, não existe espaço para a liberdade, rompendo com isso a própria lógica da democracia.

Contra esse tipo de absurdo continuarei a me manifestar, certo de que posso exercer o meu direito de cidadão, alertando os desvios e fomentando um debate justo e verdadeiro em torno do que realmente interessa para o Brasil. Nos meus perfis do Twitter, do Facebook e do YouTube tenho discutido intensamente sobre estas questões. Convido a todos a fazerem o mesmo, intensificando o debate eleitoral.

Viva a internet e a liberdade!


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12.10.10

Refletindo sobre o segundo turno das eleições 2010

É preocupante o rumo que as eleições tomou no nosso país, sobretudo no período do segundo turno. A igreja entrou no meio da discussão divulgando o apoio de muitos bispos ao PSDB alegando que o PT está institucionalmente engajado na implantação da cultura da morte, dado que possui itens em seus estatutos que apontam nessa direção. Por outro lado, esquecem-se de dizer que a política neoliberal, típica do PSDB, é também favorável a descriminalização do aborto, ainda que não o afirmem por meio de estatutos. Para confirmar este dado nos é necessário somente observar a política vigente em outras nações de base neoliberal, onde o aborto e a tão temida cultura de morte já é lei. Acrescento que as Nações Unidas, como bem recordam alguns bispos brasileiros, também se mostram favoráveis a tal cultura. Não nos esqueçamos que o próprio José Serra, quando era ministro da saúde do governo de FHC, assinou medidas a favor do aborto.

O que quero argumentar com isso?
Simplesmente que não podemos tomar como base para o nosso voto consciente somente um lado da moeda e julgar uma só candidatura como se a outra nada tivesse a dizer à respeito deste assunto. Ademais, a "guerra santa" propagada no embate do segundo turno chegou ao extremo e cada candidato/partido quer se mostrar mais cristão do que o outro, criando imagens destrutivas do rival como se um fosse amaldiçoado e o próprio abençoado. Além de revelar uma grotesca hipocrisia em ambos. Vi, estarrecido, imagens do candidato José Serra beijando a cruz de um rosário em uma carreata no Estado de Goiás. Imagens de momento, onde prevalece o apelo (eu diria também suplício) aos votos cristãos. De outro lado, a candidata Dilma Roussef também aparece em igrejas com mais freqüência, como mostram imagens recentes do Santuário de Aparecida, em São Paulo, e tem afirmado com mais veemência o que antes não dizia em público.

Não entremos nessa guerra santa como se um fosse melhor do que outro considerando somente este viés. Ambos os candidatos e seus respectivos partidos não podem ser pensados somente sobre este pontos de vista porque não mostram coerência em seus discursos e práticas. Sem falar que estes temas não são unanimidade entre os membros de ambos os partidos, havendo membros que pensam o contrário do que os partidos pregam. No que toca o ponto de vista religioso, ambos se anulam e, portanto, este não é um ponto que nos traz boas possibilidades de reflexão. Em matéria de aborto e cultura de morte, o que vemos é o sujo falando do mal lavado.

Preciso acrescentar que nenhum dos dois candidatos me agradam particularmente, no entanto não posso ficar alheio a este debate. Como então pensar o que seja melhor para o nosso país?

Pensemos no projeto de país. Não nos esqueçamos do que cada partido foi capaz de realizar e de qual política realizam. Vamos colocar na balança os resultados dos projetos de cada candidato/partido e discutir as verdadeiras diferenças entre eles. A partir dessas diferenças, podemos avaliar o nosso voto e saber quem realmente representa o melhor para o nosso país.

Para quem desejar, compartilho o link da nota oficial da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) sobre o assunto, bem como da nota oficial da CBPJ (Comissão Brasileira de Justiça e Paz), ligada à CNBB.


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11.10.10

2 anos na Academia da Sabedoria!

Há pouco menos de uma semana, completei dois anos de empenho, vida e estudo no Istituto Universitario Sophia, situado na pequena cidade de Incisa in Val d'Arno (Loppiano), próxima a Florença, na Itália.

Como pude constatar, esses dois anos significaram um mergulho na Sabedoria, com experiências de diálogo intensas, realizadas em momentos de estudo, aula, eventos e mesmo de lazer. Após a conclusão dos estudos relativos às várias disciplinas que cursei, dedico-me à elaboração da dissertação do mestrado já mirando a apresentação da defesa para a obtenção do título no início de fevereiro. Estou certo de que retornarei ao Brasil bem diferente do que eu era antes de chegar aqui e de que levarei para a minha querida terra uma bagagem cultural cuja riqueza não me permite uma descrição completa.

Como forma de comemorar este meu período aqui, gostaria de compartilhar alguns pontos relevantes desta experiência. É impossível não destacar, por exemplo, a diversidade cultural presente entre estudantes, docentes e demais funcionários, bem como é igualmente válido destacar a beleza das relações existentes entre essas pessoas. Somos um grupo pequeno de estudantes provenientes de mais de 25 nações e com mais de 20 formações acadêmicas diferentes, o que faz deste lugar um espaço multicultural que constantemente convida ao diálogo. É nesse ambiente que pude encontrar pessoas dispostas a aprender sempre mais e a pensar novos caminhos para a política, a economia, a filosofia, a teologia e as ciências, sempre numa perspectiva transdisciplinar.

Aliando a seriedade do estudo e da pesquisa com as atividades cotidianas, é fácil perceber que a experiência vivida aqui pressupõe um abertura não só para compreender o que vem sendo ensinado e pesquisado como para acolher o outro, muitas vezes com costumes e pensamentos bem diferentes do meu. É assim que a experiência universitária se torna também uma experiência de vida. Aprende-se na sala de aula, mas também na cozinha de casa, nas festas, nos passeios e em momentos de esporte.

Outra experiência bastante significativa que tenho vivido nos últimos meses é a elaboração da dissertação. Juntamente com o meu orientador, tenho desenvolvido minhas leituras no campo da Filosofia da Mente e da Psicologia Humanista-Fenomenológica, de modo a realizar uma leitura transdisciplinar para descrever a relação mente-corpo circunscrita nesta recente teoria psicológica. A cada semana nos encontramos e procuramos compreender o que os autores pesquisados nos dizem, fazendo o exercício de colher o essencial para responder as perguntas de nossa reflexão. Contudo, o que me chama a atenção, para além do conteúdo, é a abertura existente entre nós. Longe da postura de autoridade, ainda presente na maioria das universidades européias, a relação professor/aluno se revela na troca e no diálogo, onde um enriquece o outro com sua experiência e conhecimento.

Eis porque sinto que ao longo desses dois anos pude mergulhar na sabedoria. Aqui, pude aprender e crescer sem fugir da realidade, certo de que Alguém me acompanhava nesta aventura. Mesmo com as dificuldades que aparecem no dia-a-dia, sei que é possível ir sempre mais além e que não preciso desistir dos meus sonhos, nem atropelá-los em nome do imediatismo contemporâneo. É acreditando nesta experiência que seguirei o meu rumo com mais firmeza, ainda que este pareça tão incerto e aberto. Continuarei a abrir o caminho do futuro com a esperança de encontrar um mundo sempre melhor.

Aproveito para registrar o meu agradecimento a todas as pessoas que atravessaram o meu caminho ao longo desses anos, sem elas esta experiência não seria a mesma e não teria o mesmo valor.

Se você quer saber mais informações acerca desta experiência inovadora, recomendo a visita ao site do IUS e uma olhada nos videos do canal do YouTube (vídeos em italiano e inglês).



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6.10.10

Por uma nova perspectiva para o pensar

O que significa pensar e como a história conheceu e viveu esta característica tão peculiar ao ser humano? Tentarei mergulhar nesta profunda reflexão fazendo uma leitura de dois artigos do filósofo italiano Giuseppe Maria Zanghí sobre o tema. Os artigos são: "Che cos'è pensare?" e "O pensar como um ato de amor: por um novo paradigma a partir do carisma da unidade". Ambos podem ser lidos através do Scribd, onde compartilhei.

Antes de mais nada, pensar sobre o pensar requer a distinção de alguns elementos fundamentais para compreendê-lo em seu processo, são eles: sujeito, objeto e a intersecção entre sujeito e objeto, que o autor chama de "luz" sob a qual ocorre este encontro. Estes elementos são importantes para compreender que o pensar pressupõe o encontro de um sujeito pensante e um objeto pensado, ou melhor, pressupõe que alguém pense algo imerso em um contexto cultural que o ilumina em tal pensar. Todavia, o que significa este processo?

No seu primeiro artigo, o autor nos convida a enquadrar o pensar, tentando encontrar uma definição que seja plausível e a mais completa possível. Desse modo, expõe sete possíveis definições que de certa maneira são verdadeiras, mas que ainda deixam lacunas. Entenderemos o porque de tais lacunas na medida que serão também expostos os pressupostos do autor, que ao final servem de base para a sua compreensão sobre o pensar como um ato de amor. Vamos então à pergunta: o que é pensar?

O pensar poderia ser entendido como o ato de explorar a realidade ao meu redor, colhendo-a. Fato este que é verdadeiro, mas que não diz tudo. Afinal, o pensar não se resume a um "fazer" do sujeito frente ao objeto, dado que pode ser vivido em um estado que o autor chama de repouso. Dito em outras palavras, o sujeito não pode ser reduzido à mera eficiência, pois o pensar existe mesmo em um "não fazer".

O pensar também poderia ser entendido como um processo de conceitualização da realidade "externa" ao sujeito através de uma abstração do percebido. Também este processo faz parte do pensar, mas, como o anterior, não o sintetiza por completo porque, se assim o fosse, a realidade não passaria de uma mera cópia do real, transcrita pelo pensamento.

Podemos ir mais longe pensando o pensar como um processo de autoconscientização. Esse processo é igualmente presente no pensar, mas, da mesma maneira que não é possível reduzir o pensar ao mero apropriar-se de coisas consideradas "externas", não podemos definir o pensar como um processo de consciência interno ao sujeito, porque este último interage com outros sujeitos e a sua consciência é sempre intencional, sendo "consciência de", isto é, que o faz pensar para além de si mesmo.

O pensar, então, poderia ser entendido como um processo de superação das diferenças entre o sujeito e a realidade pensada, através do qual o sujeito se confunde ou se mistura com os mistérios do real enquanto o pensa. Segundo o autor, seria esta uma faculdade comum aos poetas. Todavia, se consideramos importante a união entre o sujeito pensante e a realidade pensada, é fundamental destacar a distinção que permite tal união. Afinal, não pode haver tendência de união sem uma prévia e originária distinção entre os elementos. Dessa forma, o pensar não nega a diferença entre sujeito e objeto e não pode tender à união entre eles sem partir de uma distinção essencial ao sujeito em sua relação com os outros e com o mundo.

Podemos pensar o pensar também como um processo de comunhão espiritual entre o sujeito pensante e a realidade pensada, no qual o primeiro vive uma suposta "imersão" no real e, abstraindo os conceitos inerentes a este, se identifica interiormente com o mesmo. Todavia, se por comunhão espiritual entendemos um processo de identificação interior com a realidade, o que está fora do pensar continua a ser pensável. Esta definição, portanto, restringe o pensar a uma experiência singular, mas que não abrange toda a realidade, ignorando-a para além do que pode ser vivido pelo sujeito.

Há ainda quem pense que o pensar corresponda à existência do sujeito, como um ato que caracteriza a sua vida enquanto definidora de existência. Porém, o fato de pensar, concernente ao sujeito, não implica que o pensar seja o sujeito, determinando a sua existência. Segundo Zanghí, o pensar pressupõe a existência do sujeito mesmo antes do próprio pensar. Nas suas palavras, "o pensar é um atuar-se do sujeito que [...] precede esta sua atuação" (p. 28).

Por fim, o autor destaca que o pensar poderia ser também concebido como um processo no qual o sujeito colhe a realidade na sua objetividade. Porém, o processo subjetivo de percepção está diretamente implicado no processo de pensar a realidade, portanto não é capaz de colhê-la no seu estado puro. Desta forma, a realidade percebida é também relativa ao sujeito, não sendo um objeto que possa ser estudado independentemente.

Não obstante as tantas possíveis definições, a humanidade continua a exercitar esta sua faculdade de pensar, tida para muitos como superior quando identificada com a razão ou mesmo com o intelecto. Todas as definições enunciadas, entre muitas outras, foram desenvolvidas na história da humanidade, que prossegue em seu longo e árduo caminho de auto-compreensão. A humanidade, portanto, pensa; mas como se desenvolveu este pensar ao longo da história?

No segundo artigo, Giuseppe Maria Zanghí descreve uma evolução em três momentos bem distintos, através dos quais destaca que o terceiro momento ainda está sendo desenhado, embora o considere de fundamental importância para um pensar aberto, dinâmico e capaz de formar um novo paradigma cultural. Os três momentos do pensar são: (1) o pensar como mito, (2) o pensar como Logos, e (3) o pensar como Amor.

Em um primeiro momento, a humanidade procurava explicações para a própria realidade no mito. Nesse período, o sujeito que pensa não é o indivíduo, mas o grupo, que pensa através de uma imersão no divino representado nas figuras míticas. São estas figuras que reúnem os conteúdos capazes de explicar as forças da natureza e o porque de cada coisa. Pensamento e vida se confundem não como posição racional ou conceitual do sujeito sobre a realidade, mas como adesão do sujeito coletivo ao real divinizado, sempre em consonância com a arché originária.

Ao longo do período definido pelo filósofo Karl Jaspers como "Era Axial" (entre 800 a.C. e 200 a.C.), assistimos ao florescer de diversas religiões e culturas, bem como ao desenvolvimento do pensar, que passa a destacar a figura do sujeito que pensa como indivíduo. A partir desse momento, é o indivíduo que assume a possibilidade de pensar a realidade, saindo do seio do divino. Inverte-se, portanto, a lógica anterior: não é mais o sujeito que habita o divino, mas o divino que habita o sujeito. O pensar não se dá mais como mito (ainda que este tenha deixado suas marcas na história), mas como Logos, onde o sujeito que pensa é o indivíduo, ser-a-si-mesmo, e a razão vem evidenciada sempre mais como fonte do pensar. Através da razão, o sujeito pode compreender os fenômenos que lhe são dados à consciência e atribuir-lhes conceitos. O indivíduo reconhece que em si mesmo existe uma potencial capacidade de conhecer as coisas. Ainda que esta potencialidade seja atribuída ao divino que habita no sujeito (pensemos ao Daimon de Sócrates e aos diversos fenômenos religiosos), é o indivíduo quem pensa.

Contudo, verifica-se nos últimos séculos um declínio dessa forma de pensar, em decorrência, sobretudo, do desenvolvimento da técnica e da crescente desvalorização do homem. A modernidade expulsa o divino do sujeito e passa a desenvolver uma forma de pensar sempre mais funcional. Em um período onde predomina a técnica, o pensar sobre o homem e sua existência é ofuscado pelo pensar o fazer deste homem. O sujeito perde espaço para o objeto caindo sempre mais no chamado niilismo, um vazio de sentido.

É nesse contexto que Zanghí destaca o pensar como Amor. Se, ao longo da história, a humanidade se perdeu no divino e, milênios mais tarde, encontrou-se sem ele e portanto sozinha e no abismo do Nada, faz-se necessário encontrar uma luz que reúna o humano e o divino para iluminar o pensar do sujeito contemporâneo sobre si mesmo, os outros e o mundo. Uma tal luz é já conhecida pela humanidade na figura-pessoa de Jesus Cristo, que com a sua vida revela um paradigma que nos dá uma chave de leitura do real que merece ser melhor estudada.

O paradigma revelado com o Evento Cristo nos mostra que a raiz do pensar é a Palavra criadora de Deus. A Palavra é a origem das palavras, expressas nas criaturas, o que nos leva a crer que "o pensar é, enraizado no acolhimento de Deus, acolher a realidade, o mundo, fazendo do ato de pensar a casa do mundo, útero no qual as realidades alcançam o próprio destino" (Zanghí, p. 32). É um pensar que se dá no indivíduo que se descobre em relação, sendo filhos como o Filho, Jesus. O indivíduo que ama, se doa; age de si para além-de-si (não se desdobra somente para si mesmo). É no Amor como dom genuíno e gratuito que se encontra o sujeito desta maneira de pensar, no Amor que é capaz de se lançar para além de si e de acolher o outro. O indivíduo pensa como um dom de si fazendo-se nada para encontrar tudo em uma pericorese contínua. É, portanto, um pensar intersubjetivo ou relacional, pois se dá enquanto relação. Esta é a dinâmica do paradigma trinitário revelada através da pessoa de Jesus Cristo a partir de seu abandono na cruz. Uma dinâmica que mostra a interação kenótica de três pessoas divinas distintas uma da outra mas unidas em perfeita comunhão.

Como Jesus vive esta dinâmica estando na cruz? Respondo citando Zanghí: "O Cristo-palavra pregado na cruz, no abismo do abandono, da solidão extrema e portanto do silêncio absoluto, conduzindo ao máximo a kenosis acolhe radicalmente em si a realidade do mundo na sua criaturalidade, se consome, até anular a si mesmo, até fazer-se não-Palavra. Mas é exatamente neste dar-se sem limites que Ele se revela a Palavra, é exatamente no seu entrar no silêncio do Pai. Fazendo isso com toda a sua humanidade, na qual toda a nossa humanidade é sintetizada, o Cristo a leva no seu próprio falar, no dar-se toda no Espírito" (p. 32).

Com esta perspectiva, é possível dizer que sair do niilismo contemporâneo requer a descoberta de um novo nihil. Não mais um nada como vazio de sentido, que se revela na falta de referências e de uma verdade que possa ser plenamente vivida, mas um nada de Amor, como dom completo e autêntico. Esse é o desafio para o pensar hoje. Em poucas palavras, é preciso recuperar o sentido do Ser, não mais como um mero Ser-a-si-mesmo, mas como Ser-em-relação, que se descobre e se desenvolve enquanto dom para o outro, em perfeita comunhão de si.


Referências bibliográficas:

G. M. Zanghí, Che cos'è pensare?, Sophia: ricerche sui fondamenti e la correlazione dei saperi, vol. I, n. 0, 2008, p. 25-34.

G. M. Zanghí, O pensar como ato de amor: por um novo paradigma cultural a partir do carisma da unidade. Revista Abba, vol. VI, n. 2, 2003, p. 37-55.


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4.10.10

Da reflexão sobre o pensar

Duas breves citações de Giuseppe Maria Zanghí em artigos sobre o pensar:

«Solo il poeta, forse, sa dare parola alle cose senza alterarle nel loro mistero!»1

..........«Talvez só o poeta saiba atribuir palavra às coisas sem alterá-las em seu mistério!»



«O niilismo, última palavra da cultura do Logos, está se invertendo no nihil do Amor.»2


1G. M. Zanghí, Che cos'è pensare?, Sophia: ricerche sui fondamenti e la correlazione dei saperi, vol. I, n. 0, Città Nuova, Roma, 2008, p. 30.

2G. M. Zanghí, O pensar como ato de amor: por um novo paradigma cultural a partir do carisma da unidade. Revista Abba, vol. VI, n. 2, Editora Cidade Nova, Vargem Grande Paulista, 2003, p. 47.
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2.10.10

Espinhos e Rosas

«[Com a experiência da alma que se abandona por amor em Deus] o modo de observar as coisas humanas se descolore e perde sentido, e o amargo não mais intoxica as breves alegrias da sua vida terrena. Para esta, nada diz o ditado melancólico: "não existe rosa sem espinho", mas, pela onda da revolução de amor na qual Deus a estimulou, vale exatamente o oposto: "não existe espinho sem rosa"».


Traduzido de:

«[Con l'esperienza dell'anima che si abbandona per amore in Dio] il modo di osservare le cose all'umana si scolorisce e perde senso, e l'amaro non intossica più le brevi gioie della sua vita terrena. Per lei nulla dice il detto pieno di malinconia: "non c'è rosa senza pina", ma, per l'onda della rivoluzione d'amore in cui Dio l'ha trascinata, vale nettamente l'opposto: "non c'è spina senza rosa"».

(Chiara Lubich, La dottrina spirituale, 2a. ed., Città Nuova: Roma, 2009, p. 144)
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