Textos e reflexões de Rodrigo Meireles

24.9.11

A liberdade entre dores e cores

Viver é experimentar o que a vida nos traz e tudo aquilo que é inevitável. Viver é, portanto, relacionar-se e é em meio às suas relações consigo mesma, com os outros e com o mundo que a pessoa se descobre. Nessas relações com o mundo, a pessoa encontra desdobramentos permeados de descobertas e também de sofrimento. Contudo, mesmo em meio a esses desdobramentos, como percebemos na experiência clínica, é possível encontrar sentido na vida. Segundo Viktor Frankl, "o sentido da vida é um sentido incondicional, por incluir até o sentido potencial do sofrimento inevitável". Encontra-se sentido para a vida quando se opta pela experiência de viver.

Essa experiência mostra que a cada instante a pessoa é levada a confrontar o mundo, com suas dores e cores. Dores e cores que revelam uma dialética dantesca de descoberta de si mesmo no mundo. É interessante constatar que, na sua Comédia, o memorável poeta italiano Dante Alighieri constrói um excursus perfeitamente associável à experiência do homem pós-moderno, mesmo até daquele que busca a psicoterapia para um autoconhecimento. O caminho do inferno ao paraíso, em Dante, é também o caminho que as almas não pusilânimes ousam traçar se querem descobrir um sentido maior para as suas vidas. Os pusilânimes são aqueles que não fazem escolhas morais, nem para o bem, nem para o mal. Estes nada mais desejam e não são capazes sequer de entrar no inferno e traçar o próprio caminho, o próprio itinerário. Estão parados na própria dor vazia, não querem sentir mais nada e simplesmente deixam que a vida os leve no seu tempo infindável e sem cor. Para estes, estar vivo ou morto não faz diferença, mas, para quem sente o mundo, viver é atravessar as linhas da existência, com tudo o que se encontra no caminho. Cabe aqui um pressuposto: a escolha e a coragem de viver. Encarar as dores não é buscá-las por um mero prazer pessoal, mas é ressignificá-las para atribuir a elas um novo colorido. Eis que o itinerarium de Dante revela uma pessoa capaz ter a coragem necessária para tomar consciência de si mesma, atravessar as próprias dores e atingir o paraíso, lugar da liberdade e do amor. Desde o inferno, Dante procurava a liberdade - "Libertà va cercando" (Purg I, 71) - e chega ao paraíso não sem antes provar do fogo, da dor, do sofrimento. Mesmo Beatriz, seu grande amor espiritual e seu daimon, ao longo do Cântico do Paraíso e após o muro de fogo do Purgatório, o faz provar novas experiências para que este atinja a liberdade plena, no amor.

A liberdade, segundo Rollo May, "é a capacidade de o homem contribuir para a sua própria evolução", pressupõe autoconsciência e se revela na capacidade de fazer escolhas. Não se trata de uma liberdade na perspectiva de um indivíduo isolado, segundo a qual o homem se liberta de tudo e de todos, mas da liberdade com responsabilidade, que se reconhece enquanto relação.

Portanto, ser livre é ter consciência de si mesmo no mundo, com todos os elos que a existência comporta. Todavia, para que esta consciência evolua e se atualize, é preciso que a pessoa se deixe afetar pelos fenômenos que a toca no mundo, como carne, para viver e sentir a necessidade de fazer as próprias escolhas. É assim que a pessoa pode atualizar-se e é com esse intuito que a psicologia pode contribuir para a abertura de novas experiências no horizonte de cada pessoa.


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