Textos e reflexões de Rodrigo Meireles

6.10.10

Por uma nova perspectiva para o pensar

O que significa pensar e como a história conheceu e viveu esta característica tão peculiar ao ser humano? Tentarei mergulhar nesta profunda reflexão fazendo uma leitura de dois artigos do filósofo italiano Giuseppe Maria Zanghí sobre o tema. Os artigos são: "Che cos'è pensare?" e "O pensar como um ato de amor: por um novo paradigma a partir do carisma da unidade". Ambos podem ser lidos através do Scribd, onde compartilhei.

Antes de mais nada, pensar sobre o pensar requer a distinção de alguns elementos fundamentais para compreendê-lo em seu processo, são eles: sujeito, objeto e a intersecção entre sujeito e objeto, que o autor chama de "luz" sob a qual ocorre este encontro. Estes elementos são importantes para compreender que o pensar pressupõe o encontro de um sujeito pensante e um objeto pensado, ou melhor, pressupõe que alguém pense algo imerso em um contexto cultural que o ilumina em tal pensar. Todavia, o que significa este processo?

No seu primeiro artigo, o autor nos convida a enquadrar o pensar, tentando encontrar uma definição que seja plausível e a mais completa possível. Desse modo, expõe sete possíveis definições que de certa maneira são verdadeiras, mas que ainda deixam lacunas. Entenderemos o porque de tais lacunas na medida que serão também expostos os pressupostos do autor, que ao final servem de base para a sua compreensão sobre o pensar como um ato de amor. Vamos então à pergunta: o que é pensar?

O pensar poderia ser entendido como o ato de explorar a realidade ao meu redor, colhendo-a. Fato este que é verdadeiro, mas que não diz tudo. Afinal, o pensar não se resume a um "fazer" do sujeito frente ao objeto, dado que pode ser vivido em um estado que o autor chama de repouso. Dito em outras palavras, o sujeito não pode ser reduzido à mera eficiência, pois o pensar existe mesmo em um "não fazer".

O pensar também poderia ser entendido como um processo de conceitualização da realidade "externa" ao sujeito através de uma abstração do percebido. Também este processo faz parte do pensar, mas, como o anterior, não o sintetiza por completo porque, se assim o fosse, a realidade não passaria de uma mera cópia do real, transcrita pelo pensamento.

Podemos ir mais longe pensando o pensar como um processo de autoconscientização. Esse processo é igualmente presente no pensar, mas, da mesma maneira que não é possível reduzir o pensar ao mero apropriar-se de coisas consideradas "externas", não podemos definir o pensar como um processo de consciência interno ao sujeito, porque este último interage com outros sujeitos e a sua consciência é sempre intencional, sendo "consciência de", isto é, que o faz pensar para além de si mesmo.

O pensar, então, poderia ser entendido como um processo de superação das diferenças entre o sujeito e a realidade pensada, através do qual o sujeito se confunde ou se mistura com os mistérios do real enquanto o pensa. Segundo o autor, seria esta uma faculdade comum aos poetas. Todavia, se consideramos importante a união entre o sujeito pensante e a realidade pensada, é fundamental destacar a distinção que permite tal união. Afinal, não pode haver tendência de união sem uma prévia e originária distinção entre os elementos. Dessa forma, o pensar não nega a diferença entre sujeito e objeto e não pode tender à união entre eles sem partir de uma distinção essencial ao sujeito em sua relação com os outros e com o mundo.

Podemos pensar o pensar também como um processo de comunhão espiritual entre o sujeito pensante e a realidade pensada, no qual o primeiro vive uma suposta "imersão" no real e, abstraindo os conceitos inerentes a este, se identifica interiormente com o mesmo. Todavia, se por comunhão espiritual entendemos um processo de identificação interior com a realidade, o que está fora do pensar continua a ser pensável. Esta definição, portanto, restringe o pensar a uma experiência singular, mas que não abrange toda a realidade, ignorando-a para além do que pode ser vivido pelo sujeito.

Há ainda quem pense que o pensar corresponda à existência do sujeito, como um ato que caracteriza a sua vida enquanto definidora de existência. Porém, o fato de pensar, concernente ao sujeito, não implica que o pensar seja o sujeito, determinando a sua existência. Segundo Zanghí, o pensar pressupõe a existência do sujeito mesmo antes do próprio pensar. Nas suas palavras, "o pensar é um atuar-se do sujeito que [...] precede esta sua atuação" (p. 28).

Por fim, o autor destaca que o pensar poderia ser também concebido como um processo no qual o sujeito colhe a realidade na sua objetividade. Porém, o processo subjetivo de percepção está diretamente implicado no processo de pensar a realidade, portanto não é capaz de colhê-la no seu estado puro. Desta forma, a realidade percebida é também relativa ao sujeito, não sendo um objeto que possa ser estudado independentemente.

Não obstante as tantas possíveis definições, a humanidade continua a exercitar esta sua faculdade de pensar, tida para muitos como superior quando identificada com a razão ou mesmo com o intelecto. Todas as definições enunciadas, entre muitas outras, foram desenvolvidas na história da humanidade, que prossegue em seu longo e árduo caminho de auto-compreensão. A humanidade, portanto, pensa; mas como se desenvolveu este pensar ao longo da história?

No segundo artigo, Giuseppe Maria Zanghí descreve uma evolução em três momentos bem distintos, através dos quais destaca que o terceiro momento ainda está sendo desenhado, embora o considere de fundamental importância para um pensar aberto, dinâmico e capaz de formar um novo paradigma cultural. Os três momentos do pensar são: (1) o pensar como mito, (2) o pensar como Logos, e (3) o pensar como Amor.

Em um primeiro momento, a humanidade procurava explicações para a própria realidade no mito. Nesse período, o sujeito que pensa não é o indivíduo, mas o grupo, que pensa através de uma imersão no divino representado nas figuras míticas. São estas figuras que reúnem os conteúdos capazes de explicar as forças da natureza e o porque de cada coisa. Pensamento e vida se confundem não como posição racional ou conceitual do sujeito sobre a realidade, mas como adesão do sujeito coletivo ao real divinizado, sempre em consonância com a arché originária.

Ao longo do período definido pelo filósofo Karl Jaspers como "Era Axial" (entre 800 a.C. e 200 a.C.), assistimos ao florescer de diversas religiões e culturas, bem como ao desenvolvimento do pensar, que passa a destacar a figura do sujeito que pensa como indivíduo. A partir desse momento, é o indivíduo que assume a possibilidade de pensar a realidade, saindo do seio do divino. Inverte-se, portanto, a lógica anterior: não é mais o sujeito que habita o divino, mas o divino que habita o sujeito. O pensar não se dá mais como mito (ainda que este tenha deixado suas marcas na história), mas como Logos, onde o sujeito que pensa é o indivíduo, ser-a-si-mesmo, e a razão vem evidenciada sempre mais como fonte do pensar. Através da razão, o sujeito pode compreender os fenômenos que lhe são dados à consciência e atribuir-lhes conceitos. O indivíduo reconhece que em si mesmo existe uma potencial capacidade de conhecer as coisas. Ainda que esta potencialidade seja atribuída ao divino que habita no sujeito (pensemos ao Daimon de Sócrates e aos diversos fenômenos religiosos), é o indivíduo quem pensa.

Contudo, verifica-se nos últimos séculos um declínio dessa forma de pensar, em decorrência, sobretudo, do desenvolvimento da técnica e da crescente desvalorização do homem. A modernidade expulsa o divino do sujeito e passa a desenvolver uma forma de pensar sempre mais funcional. Em um período onde predomina a técnica, o pensar sobre o homem e sua existência é ofuscado pelo pensar o fazer deste homem. O sujeito perde espaço para o objeto caindo sempre mais no chamado niilismo, um vazio de sentido.

É nesse contexto que Zanghí destaca o pensar como Amor. Se, ao longo da história, a humanidade se perdeu no divino e, milênios mais tarde, encontrou-se sem ele e portanto sozinha e no abismo do Nada, faz-se necessário encontrar uma luz que reúna o humano e o divino para iluminar o pensar do sujeito contemporâneo sobre si mesmo, os outros e o mundo. Uma tal luz é já conhecida pela humanidade na figura-pessoa de Jesus Cristo, que com a sua vida revela um paradigma que nos dá uma chave de leitura do real que merece ser melhor estudada.

O paradigma revelado com o Evento Cristo nos mostra que a raiz do pensar é a Palavra criadora de Deus. A Palavra é a origem das palavras, expressas nas criaturas, o que nos leva a crer que "o pensar é, enraizado no acolhimento de Deus, acolher a realidade, o mundo, fazendo do ato de pensar a casa do mundo, útero no qual as realidades alcançam o próprio destino" (Zanghí, p. 32). É um pensar que se dá no indivíduo que se descobre em relação, sendo filhos como o Filho, Jesus. O indivíduo que ama, se doa; age de si para além-de-si (não se desdobra somente para si mesmo). É no Amor como dom genuíno e gratuito que se encontra o sujeito desta maneira de pensar, no Amor que é capaz de se lançar para além de si e de acolher o outro. O indivíduo pensa como um dom de si fazendo-se nada para encontrar tudo em uma pericorese contínua. É, portanto, um pensar intersubjetivo ou relacional, pois se dá enquanto relação. Esta é a dinâmica do paradigma trinitário revelada através da pessoa de Jesus Cristo a partir de seu abandono na cruz. Uma dinâmica que mostra a interação kenótica de três pessoas divinas distintas uma da outra mas unidas em perfeita comunhão.

Como Jesus vive esta dinâmica estando na cruz? Respondo citando Zanghí: "O Cristo-palavra pregado na cruz, no abismo do abandono, da solidão extrema e portanto do silêncio absoluto, conduzindo ao máximo a kenosis acolhe radicalmente em si a realidade do mundo na sua criaturalidade, se consome, até anular a si mesmo, até fazer-se não-Palavra. Mas é exatamente neste dar-se sem limites que Ele se revela a Palavra, é exatamente no seu entrar no silêncio do Pai. Fazendo isso com toda a sua humanidade, na qual toda a nossa humanidade é sintetizada, o Cristo a leva no seu próprio falar, no dar-se toda no Espírito" (p. 32).

Com esta perspectiva, é possível dizer que sair do niilismo contemporâneo requer a descoberta de um novo nihil. Não mais um nada como vazio de sentido, que se revela na falta de referências e de uma verdade que possa ser plenamente vivida, mas um nada de Amor, como dom completo e autêntico. Esse é o desafio para o pensar hoje. Em poucas palavras, é preciso recuperar o sentido do Ser, não mais como um mero Ser-a-si-mesmo, mas como Ser-em-relação, que se descobre e se desenvolve enquanto dom para o outro, em perfeita comunhão de si.


Referências bibliográficas:

G. M. Zanghí, Che cos'è pensare?, Sophia: ricerche sui fondamenti e la correlazione dei saperi, vol. I, n. 0, 2008, p. 25-34.

G. M. Zanghí, O pensar como ato de amor: por um novo paradigma cultural a partir do carisma da unidade. Revista Abba, vol. VI, n. 2, 2003, p. 37-55.


8 comentários:

  1. Valeu pelo texto, Rodrigão. Insightful!

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  2. Obrigado, André!
    Continuemos a pensar...

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  3. Psi, filosófico e cristão. Belo.

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  4. É possível colher no pensar uma lógica que coloque em evidência a dinâmica trinitária e que nos faça ver quão verdadeira é a Revelação do Evento Cristo.

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  5. Don Rodrigo! Ho finalmente letto l'articolo. Bellissima la tua sintesi, efficace, profonda, chiara. Perché non metti anche un'appendice con una tua riflessione sul tema? Tschau meo irmao

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  6. Grazie per aver scritto questa recensione agli articoli di Zanghì. Bella, efficace e chiara la tua sintesi. Perché non aggiungi una piccola riflessione personale? T.

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  7. Grazie per aver condiviso questa recensione. Mi piacerebbe vedere anche una tua riflessione personale. T.

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  8. Grazie Tommaso! Infatti, potrei scrivere una mia riflessione sull'argomento. Ci provo!

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