Textos e reflexões de Rodrigo Meireles

17.10.10

As eleições e o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza

Hoje, 17/10, é o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza. Dia que chama a atenção do mundo para o primeiro dos oito objetivos assinados por 189 países há dez anos na Cúpula da ONU. Já escrevi um artigo sobre os objetivos de desenvolvimento do milênio, mas hoje quero destacar a necessidade e a importância da erradicação da pobreza para dar melhores condições de vida às pessoas que hoje sofrem com esse problema. Juntamente com outros 376 blogueiros de todo mundo, unidos através do Bloggers Unite, podemos entrar nesta discussão e refletir juntos o que é possível fazer.

Aproveitando o clima de eleições no Brasil, que neste exato momento está fervendo em debates pouco profundos, gostaria de confrontar os programas de cada candidato acerca do combate à pobreza.

Para melhor avaliarmos estes programas, é importante que nos coloquemos de frente a pelo menos duas perguntas básicas: a primeira, o que é pobreza? E a segunda, por que e como devemos erradicá-la?

Normalmente, quando falamos de pobreza fazemos referência à carência material ou mesmo à miséria a que estão submetidas milhões de pessoas em todo mundo. Todavia, alguns estudos apontam para uma descrição mais profunda desta questão, através da qual a pobreza representa uma privação de poder. Para Amartya Sen (1999), não podemos compreender o fenômeno da pobreza sem considerar a ética dos ideais de bem-estar humano, que ao longo da história a economia paulatinamente escondeu. Tratar a pobreza como uma mera falta material nos faz cair em um utilitarismo, cuja solução nos remeteria a um dar esmolas sem considerar a demanda de justiça social de quem se encontra imerso neste duro contexto. Citando Virginia Moreira (2000), "a privação de poder e controle pode ser visto como uma inabilidade em exercer 'liberdade'. Isso, por sua vez, causa a pobreza" (p. 210). É nessa linha que Amartya Sen propõe, para combater a pobreza, um desenvolvimento como liberdade. Erradicar a pobreza, tida como privação de poder e limitação das capacidades morais humanas, é necessário para libertar as pessoas da dominação de um sistema que as esmaga, tolhendo a sua voz e limitando a sua participação social. Da mesma forma como se faz necessário abolir os estigmas ligados a esta privação, como o estigma que associa ao pobre a imagem de incapaz. Ainda segundo Virgina Moreira, "as experiências de verdadeira cidadania [dos pobres] são limitadas, por não sentirem poder sobre suas vidas públicas" (ibidem).

Como erradicar a pobreza? Partindo do quanto já descrito, Amartya Sen (2000) aponta a necessidade de mudar a lógica de desenvolvimento econômico associando a esta o desenvolvimento humano. Não é possível pensar em desenvolvimento econômico sem considerar o desenvolvimento humano. Do contrário, continuaremos a assistir ao avanço das desigualdades sociais. Segundo ele, Faz-se necessário criar oportunidades sociais para as pessoas de baixa renda para que elas se sintam incluídas no fazer econômico. Ele afirma que: "a expansão dos serviços de saúde, educação, seguridade social contribui diretamente para a qualidade de vida e seu desenvolvimento. Há evidências até de que mesmo com renda relativamente baixa, um país que garante serviços de saúde e educação pode efetivamente obter resultados notáveis de duração e qualidade de vida de toda a população" (p. 170). Portanto, é preciso melhorar os serviços básicos para proporcionar um desenvolvimento integral da pessoa e favorecer a sua inclusão social, aumentando as suas capacidades de ação e participação na vida pública.

Considerando estes pressupostos, podemos conhecer os programas de cada candidato. Comecemos com o programa da coligação "O Brasil pode mais" do candidato José Serra (PSDB). Segundo consta no seu site, as propostas para o combate à desigualdade social prevêem uma continuidade e uma ampliação dos programas já existentes, como o Bolsa Família, com a novidade da criação de um 13o. para este benefício. Além disso, prevê a criação de uma bolsa de estudos para a qualificação educacional e profissional dos jovens, oferta de cursos rápidos de qualificação e requalificação para o trabalho e o investimento em casas para a população carente com até 3 salários mínimos. Está na pauta também a criação de uma secretaria especial para o semiárido, a reestruturação da SUDENE e a criação do Conselho de Desenvolvimento da Amazônia.

O programa da coligação "Para o Brasil seguir mudando" da candidata Dilma Roussef (PT) diz que é necessário continuar a linha dos programas em vigor, como o Bolsa Família, proporcionando a transição deste programa para o Renda Básica da Cidadania (RBC), projeto aprovado pelos partidos em 2004 e sancionado pelo presidente Lula que assegura "a participação de todos na riqueza da nação". Além disso, citando alguns pontos do programa relativos à diminuição da desigualdade social, a coligação de Dilma propõe a ampliação do emprego formal, a manutenção da política de valorização do salário mínimo, a expansão e facilitação do crédito popular, a expansão do programa Territórios da Cidadania, a intensificação dos assentamentos com o necessário apoio técnico aos assentados, o fortalecimento da agricultura familiar e da agroindústria familiar, e o "estímulo ao cooperativismo e outras formas de economia solidária".

Estas são as propostas que colhi dos candidatos voltadas para o combate à desigualdade social, bastante ligada ao conceito de pobreza de que tratei há pouco. Ambos os programas estão escritos de forma vaga e genérica, muitas vezes propondo a expansão e melhoria do que já existe sem especificar o que pode ser feito com mais precisão.

Posso fazer duas observações importantes no processo de escolha entre um candidato e outro, sobretudo acerca do tema abordado neste texto: em primeiro lugar, o fato de que os programas em muito se complementam, havendo pontos positivos em ambos que precisam ser levados em conta; e em segundo lugar, o fato de que para considerarmos diferenças entre os candidatos faz-se necessário conhecer mais do que as propostas que eles fazem, conhecendo a política que está por trás do fazer de cada um. É preciso reconhecer qual é a política adotada por um e outro e verificar com qual delas estamos mais identificados e comprometidos. Além disso, acrescento que, considerando a campanha em andamento, é importante também reconhecer o nível de coerência no discurso de cada um. Num processo contaminado por notícias falsas que circulam rapidamente pela internet e pela grande mídia não é difícil perceber que existem grandes diferenças. No que tange à pobreza, é válido fazer uma pesquisa na própria internet para levantar e avaliar os dados relativos. Com esses dados, podemos avaliar em qual situação o Brasil se encontra e em que podemos melhorar.

Referências bibliográficas:
Sen, A. Sobre ética e economia. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
_____. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
Moreira, V. Psicopatologia e pobreza. In: Moreira, V. e Sloan, T. Personalidade, ideologia e psicopatologia crítica. São Paulo, Escuta, 2002, p. 207-229.



4 comentários:

  1. EXCELENTE ARTIGO DON RODRIGO!

    PARABENS PELA ABRANGENCIA E IMPARCIALIDADE QUE SUCITA O DESEJO DE APROFUNDAR A PESQUISA SOBRE ESSE TEMA IMPORTANTISSIMO!

    1 ABRAÇO FRATERNO DE SEU IRMAO PAULISTANO

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  2. Obrigado, Mário! De fato, é um tema complexo e sei que podemos fazer muito para conseguirmos atingir o objetivo de acabar com a pobreza. Espero que possamos refletir mais e quem sabe debater idéias para alcançarmos juntos esta meta.

    Um grande abraço!

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  3. Este é o caminho. Estabelecer o debate.
    E este debate será superior, quando a educação de qualidade puder estar presente a todos neste país, quando o voto puder ser dado com consciência e como arma para a mudança.
    Esta é a sua obra, desenvolver este pensamento critico.

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  4. Concordo, prcf! É esse o intuito e é esse o caminho que perseguirei, instigando a reflexão e a participação cidadã, que mire um desenvolvimento humano que abranja desde as necessidades básicas do ser humano às questões complexas que coloquem a risco a vida deste ser e do planeta.

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