Textos e reflexões de Rodrigo Meireles

3.11.10

Não há espinhos sem rosas

Em fevereiro deste ano, foi publicada uma matéria na revista Cidade Nova que conta a minha experiência de vida, destacando momentos significativos. O jornalista Daniel Fassa, a partir de uma entrevista realizada comigo e com a minha mãe, conseguiu escrever de forma simples e brilhante algumas das passagens mais importantes, destacando o essencial de minhas escolhas. Vale a leitura.

Não há espinhos sem rosas

O significado da dor na vida de uma criança que supera todas as fases até tornar-se um jovem, feliz e empreendedor. A travessia de Rodrigo Fernandes Meireles nos mostra os frutos da dor abraçada, aceita e transformada.

Daniel Fassa

"Até ali, eu havia andado demais. Aventurei-me caminhando naquela estrada cheia de curvas e mistérios. Procurando desvendar cada imagem que aparecia, cada som que ouvia, cada sensação. Eu sempre segui em frente, não havia razão para parar. Sentia que nada podia me deter. E assim eu ia desafiando as trilhas que encontrava. Pode parecer que eu andava só, mas não me sentia tão só assim, mesmo quando pairava a dúvida acerca dessa companhia. Alguém caminhava comigo e eu sentia isso nas profundezas do meu eu.” 

Por trás dessas palavras do conto “A Rosa”, de Rodrigo Fernandes Meireles há toda uma vida. Uma vida de desafios, superações, alegrias e grandes descobertas. Uma vida de encontro com uma rosa.

Rodrigo nasceu em 30 de novembro de 1982, em Fortaleza (CE), numa família católica. Nas palavras da mãe, “era uma criança feliz, sempre alegre e sorridente, sempre sereno. Gostava de brincar com blocos de madeira, com Playmobil, e passava horas concentrado em algum brinquedo, na maioria das vezes, conversando com os amigos imaginários. Era uma criança precoce, que aprendia rápido, logo foi para a escola. Gostava muito de cantar e sabia de cor todas as músicas infantis que lhe ensinávamos. Nunca estava de mau humor e a sua alegria e vivacidade nos contagiavam, nos desarmavam quando alguma coisa nos deixava aborrecidos. Na escola, logo se entrosou com as outras crianças e também lá era uma criança solícita; sua alegria cativava a todos”.

Solicitude e alegria sempre foram as marcas distintivas de Rodrigo, da infância à juventude, de tal modo que nem sempre era fácil imaginar o tamanho dos desafios que ele enfrentava a cada dia. Rodrigo nasceu com Síndrome de Crouzon, doença genética que impede o crescimento do crânio e, consequentemente, um desenvolvimento normal do cérebro, podendo acarretar problemas neurológicos, perda das funções motoras, retardo mental e até a morte. Por isso, até os 23 anos, se submeteu a sete cirurgias. 

"Quando fiquei sabendo que Rodrigo tinha Síndrome de Crouzon, pensei no seu futuro: como seria difícil a sua vida, numa sociedade hedonista, que valoriza a beleza, a estética; quantas dificuldades surgiriam para a sua socialização, por quantas rejeições passaria; depois, quanto sofrimento físico viria com todas as cirurgias necessárias e quantas sequelas poderiam advir como consequência daquela má formação” – recorda Teresa, sua mãe. “Teria ele um desenvolvimento psicomotor normal, cognitivo ou apresentaria algum retardo no futuro? Diante desse quadro pouco favorável, entendi que Rodrigo precisava mais do que nunca ser amado e protegido. Então, decidi em meu íntimo ser o escudo do meu filho, dar a vida por ele, lutar por ele, protegê-lo de todas as maneiras possíveis, para garantir-lhe um tratamento adequado, que favorecesse o seu desenvolvimento e também sua socialização”, continua ela.

Os pais assumiram o compromisso de enfrentar com o menino as dificuldades, e ajudá-lo em tudo. O sofrimento e as preocupações deles eram enormes, mas procuravam não demonstrá-los e transmitir a Rodrigo apenas segurança e o orgulho que tinham dele.

A primeira cirurgia foi realizada em Fortaleza logo aos dois meses de idade e teve sucesso. Depois disso, todo o tratamento passou a ser conduzido por uma equipe de médicos de São Paulo, o que acarretou muitas e longas viagens. O segundo procedimento cirúrgico, inicialmente previsto para dali a cinco anos, acabou sendo realizado em caráter de urgência, quando Rodrigo tinha apenas três anos de idade, devido a uma inesperada hipertensão intracraniana que se manifestou sutilmente através de uma episódio de vômito na escola. Dessa vez, uma infecção hospitalar o manteve internado por um mês.

O quadro só se agravou, a infecção já era generalizada e nem os melhores médicos conseguiam recuperar a saúde de Rodrigo. Foi uma experiência muito intensa, como conta Tereza: “Entendi que não somos mesmo nada e diante daquela situação decidi doar-me totalmente a Deus. Foi ali, naquela dor imensa, que Deus se revelou a mim e eu resolvi segui-Lo. Pouco depois, Rodrigo recebeu a visita de um padre, que lhe deu a unção dos enfermos. Para a surpresa de todos, alguns dias depois ele teve alta, sem febre e sem sinais de qualquer infecção”.

De fato, alguns anos depois, Tereza abraçaria uma consagração especial no âmbito do Movimento dos Focolares, que havia conhecido pelos pais e, principalmente, pelos inúmeros membros que se fizeram presentes na vida de sua família durante o tratamento de Rodrigo.

Depois da longa fase de crescimento, chegou o momento de fazer uma terceira cirurgia. Já com 12 anos, Rodrigo pôde dar um passo importante: “Minha mãe me disse: ‘Até aqui eu acompanhei você, viajamos juntos para São Paulo, estive todo o tempo ao seu lado. Agora você já pode decidir o que quer fazer e como quer fazer’. Foi a primeira grande escolha que fiz, o primeiro passo que pude dar, pessoalmente, o meu sim”. Rodrigo estava certo. Aquele “sim” pessoal de 1995 era o primeiro de muitos que ainda diria dali para frente; principalmente nos momentos de dor.

Em 2000, com 17 anos, ele viveria a cirurgia mais difícil e teria que permanecer em São Paulo por um mês. Toda a família resolveu acompanhá-lo. Rodrigo recorda também da atmosfera descontraída que antecedeu a cirurgia: “As enfermeiras olhavam a gente conversando, sentados nas camas, no sofá do apartamento do hospital. Não parecia que alguém ali estivesse sofrendo. O clima entre as pessoas era muito favorável, era uma atmosfera que me fazia respirar aquela descoberta do amor de Deus”.

No período pós-operatório, num dos dias de dor mais intensa, Rodrigo gritou, tomado pelo sofrimento. Apenas sua mãe estava com ele no quarto. Ela segurou sua mão e disse com seu imenso amor de mãe: “Estamos em cima de uma ponte agora. O que vamos fazer? Atravessaremos o rio ou ficaremos aqui?” Rodrigo precisava continuar dando seus passos, o seu “sim”. Não podia parar ali. E não parou, como narra em seu conto “A Rosa”: 

"Recordar aquela ponte é lembrar um momento de glória que considero inesquecível. Afinal, não foi fácil atravessar uma ponte que, de tão comprida e complicada, parecia que aumentava a cada passo meu. Ela estava segura por algumas cordas não muito confiáveis e era preenchida por várias tábuas de madeira. Entre algumas dessas tábuas haviam brechas que assustavam qualquer um que se atrevesse a atravessá-la. Não vendo outra saída, procurei dar os primeiros passos equilibrando-me nas cordas. Eu tremia. Olhava para baixo, mas rapidamente desolhava. Não era fácil ver aquela correnteza barulhenta lá embaixo. Eu imaginava que um dos muitos troncos que eram carregados pelo rio poderia ser eu. Isso, somado à angústia de querer sair dali logo, gerava uma sensação conflituosa, que me fazia perguntar indefinidas vezes quanto à possibilidade de desistir, quanto ao medo de cair ali mesmo e tantas outras perguntas. Mas não desisti. Por mais distante que a outra margem pudesse estar, eu não via motivos para parar. Só me restava seguir em frente. Ao concluir a travessia, olhei para aquele buraco que ficava para trás e procurei entender a sua real dimensão. Cheguei, enfim, à outra margem.”

Ainda nesse período de recuperação, Rodrigo se lembra de outro momento importante. Percebendo o sofrimento da mãe diante da sua dor, disse-lhe: “Não quero ver você se preocupando com as minhas dores. Você tem que entender que essas dores são minhas. Compreenda que o que me faz sofrer é meu. São situações que eu preciso viver, são passos que eu preciso dar, essa é a cruz que eu preciso abraçar”.

Foi esse abraço pessoal que, durante toda a vida, deu forças a Rodrigo para ir além das próprias dificuldades e se doar: quando criança, com seus pequenos gestos de amor ao próximo; quando adolescente, administrando com amigos uma gráfica amadora que destinava seus lucros aos pobres e à formação de homens novos; quando jovem, participando ativamente do Centro Acadêmico de sua faculdade de psicologia e se filiando-se a um partido político.

Rodrigo, ainda em 2000, faria outra cirurgia devido à rejeição da prótese orgânica e ao surgimento de uma fístula no céu da boca. Depois dessa, mais duas intervenções cirúrgicas.

Hoje, Rodrigo mora na Itália, onde se especializa em “Fundamentos e Perspectivas de uma Cultura da Unidade”, no Instituto Universitário Sophia, do Movimento dos Focolares. A disponibilidade é a mesma de sempre. Graças a essa disposição é conhecido como “o prefeito de Tracolle”, residência estudantil onde moram 14 alunos de diversos países, e cuja administração financeira Rodrigo assumiu com muita dedicação. No futuro, ele pensa em se casar e, acima de tudo, “servir à humanidade”. O jovem indentifica o amor de Deus com uma rosa.

"Aquela rosa era a grande descoberta que eu fiz na minha vida, era justamente a revelação de Deus em cada fase, em cada momento, percebi a alegria necessária para viver cada experiência. Essa rosa representava nada mais nada menos que Deus sendo cultivado em mim desde pequeno. Segundo Chiara Lubich, é muito fácil ouvir por aí que não existem rosas sem espinhos. Mas também não existem espinhos sem rosas. Por trás de cada fato, de cada acontecimento, seja ele doloroso ou não, pequeno ou grande, forte ou fraco, não importa, Deus está ali e nos acompanha”. E o conto termina assim: “Sinto-me bem. Encontrei a rosa”.



4 comentários:

  1. Rodrigão, obrigado! Sem palavras para agradecer apropriadamente à comunhão dessa experiência tão rica...

    Um grande abraço,
    André

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  2. Eu que agradeço, André! Sei que juntos poderemos continuar a cultivar a rosa de nossas vidas!

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  3. Ro, obrigada por esta lindissima experiencia! Vc nao imagina o quanto me ajudou e me ajuda na experiencia que estou vivenvo agora nesse presente!
    Te amo muuuuiiiiito!
    Re

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  4. Obrigadíssimo Ré!!!
    A cada dia que passa, sinto que a experiência continua... então, conto com a tua unidade!

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